O uso recreativo da maconha e sua relação com a libido e desempenho sexual envolvem mecanismos complexos que afetam tanto os sistemas neurológicos quanto endócrinos. A interação entre os principais componentes da cannabis, como o tetraidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), com os receptores do sistema endocanabinoide, pode gerar efeitos variados sobre o desejo sexual, dependendo de fatores como a dose, a frequência de uso e as características individuais de cada pessoa.
Efeitos neurofisiológicos da maconha na libido
O sistema endocanabinoide é essencial na regulação de diversas funções corporais, incluindo o comportamento sexual. O THC, o principal componente psicoativo da maconha, atua nos receptores CB1, presentes no sistema nervoso central, modulando neurotransmissores como dopamina, serotonina e noradrenalina. Esses neurotransmissores são cruciais para a regulação do humor e da motivação, diretamente relacionados ao desejo sexual.
Efeitos positivos
Em doses baixas a moderadas, o THC pode aumentar a liberação de dopamina, reforçando a sensação de prazer e a resposta ao estímulo sexual. O CBD, por sua vez, possui propriedades ansiolíticas que ajudam a reduzir a ansiedade de desempenho, promovendo desinibição sexual e potencialmente melhorando a experiência sexual em alguns indivíduos. Estudos preliminares sugerem que o uso esporádico e controlado da maconha pode aumentar a percepção sensorial e a receptividade aos estímulos sexuais.
Efeitos negativos
Entretanto, o uso crônico e em doses elevadas de maconha pode ter efeitos negativos na libido. A exposição prolongada ao THC desregula a produção de dopamina, levando a uma diminuição da motivação sexual a longo prazo. Além disso, o uso contínuo de maconha está associado à redução dos níveis de testosterona, hormônio essencial para a manutenção do desejo sexual tanto em homens quanto em mulheres.
Disfunção erétil e outros impactos fisiológicos
Evidências sugerem que o uso frequente de maconha pode contribuir para a disfunção erétil em homens. O THC pode interferir na função vascular e na sinalização do óxido nítrico, um mediador vital na vasodilatação necessária para a ereção. Além disso, o uso regular de maconha pode prejudicar o ciclo do sono, causando fadiga e sonolência, fatores que podem reduzir a disposição sexual.
Impacto no sistema endócrino
O uso prolongado da maconha pode interferir no eixo hipotálamo-hipófise-gonadal (HPG), que regula a produção hormonal. O THC pode suprimir a secreção de hormônios luteinizantes (LH) e folículo estimulantes (FSH), diminuindo a produção de testosterona nos homens e potencialmente afetando a ovulação nas mulheres, o que pode diminuir o interesse sexual.
A qualidade da maconha e seus efeitos na libido
A qualidade da maconha é um fator determinante no impacto que ela tem sobre a libido. A concentração de compostos ativos, como THC e CBD, pode variar amplamente dependendo da procedência e do método de cultivo. A composição química da maconha, incluindo terpenos e outros canabinoides menores, influencia diretamente seus efeitos sobre o corpo humano.
Teor de THC e seus efeitos
Maconha de alta qualidade geralmente contém uma maior concentração de THC, o principal responsável pelos efeitos psicoativos. Embora doses moderadas possam aumentar a dopamina e o desejo sexual, níveis excessivos de THC, como em maconha de baixa qualidade, podem provocar ansiedade, paranoia e comprometer o desempenho sexual, resultando na redução da libido.
Proporção de CBD e THC
A maconha de alta qualidade tende a apresentar um equilíbrio entre THC e CBD. O CBD, com suas propriedades ansiolíticas e anti-inflamatórias, ajuda a neutralizar os efeitos adversos do THC, como a ansiedade e a diminuição da motivação sexual. Maconha de baixa qualidade, por outro lado, geralmente tem um teor de CBD muito baixo ou ausente, amplificando os efeitos negativos do THC, especialmente em usuários crônicos.
Efeitos dos terpenos
Além dos canabinoides, os terpenos desempenham um papel importante nos efeitos da maconha. Maconha de qualidade superior possui um perfil bem definido de terpenos. Por exemplo, o linalol, com propriedades relaxantes, pode melhorar a experiência sexual, enquanto o mirceno, com seus efeitos sedativos, pode reduzir a disposição sexual. Maconha de baixa qualidade frequentemente tem um perfil de terpenos degradado, comprometendo o equilíbrio dos efeitos desejados.
Maconha de baixa qualidade e efeitos na libido
Maconha de baixa qualidade, muitas vezes cultivada de maneira inadequada ou adulterada com pesticidas, pode conter contaminantes que afetam diretamente a saúde sexual. A exposição prolongada a toxinas ou a um perfil canabinoide desequilibrado pode agravar os efeitos negativos, como disfunção erétil e diminuição da libido. Além disso, a adulteração com outras substâncias pode prejudicar ainda mais os sistemas endócrino e neurológico, levando a um declínio acentuado na função sexual.
Conclusão
A qualidade da maconha desempenha um papel fundamental na intensidade e direção de seus efeitos sobre a libido. Maconha de alta qualidade, cultivada com controle sobre as concentrações de THC, CBD e terpenos, pode promover uma experiência sexual mais equilibrada e potencialmente aumentar o desejo sexual em usuários ocasionais. Por outro lado, o uso crônico de maconha de baixa qualidade, com altos níveis de THC, baixo CBD e possíveis contaminantes, está associado a uma redução da libido, disfunção sexual e comprometimento hormonal. Portanto, além da dose e frequência de uso, a qualidade da maconha é crucial para compreender plenamente sua relação com a libido e o desempenho sexual.
Dr. José Teixeira – Farmacêutico Bioquímico e Psicanalista Clínico
Referências
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